quarta-feira, 25 de maio de 2011

MEU AMIGO DO SÍTIO SARACURA - Antônio de Dezi.



(Mandado   para publicação, mas não foi)

Quando tia Dezi ficou viúva, muito nova - nem tinha 25 anos de idade - veio morar na Terra Vermelha. Não pôde ficar nos Macacos, interior de Simão Dias, na fazenda do sogro, onde seus filhos nasceram. Não lhe sobrava nenhum espaço dentro do casarão da fazenda. O choro dos meninos pequenos incomodavam muito mais do que devia. Sem alternativa, trouxe os filhos (Josélia, José Augusto, Antonio e José Carlos) e acomodou-se  em um pequeno sítio, quase no oitão do sítio Saracura, onde eu vivia.  Dessa forma, os três meninos machos, todos do meu tope,  passaram  a ser  meus companheiros de brincadeira.

Tia Dezi dedicou o resto de sua vida aos filhos. Não quis saber de novo casamento, recusando todas as propostas. Mamãe, que era muito ligada a ela,  e sempre foi direta nos objetivos, perguntou-lhe um dia, por que não aceitava casar de novo. Era tão nova, tão bonita!

- Você não tem desejo de deitar com homem?- atacou.

Tia Dezi arrepiou-se. Olhou para mamãe como quem renega uma abelhuda. Mas respondeu, singelamente, que tinha sim, pois era mulher como as outras:

- Vontade  é como coceira. Se você não coça, passa.

Antônio, que tinha a minha idade, foi sempre mais ligado a mim. E ficou mais ligado ainda  depois, quando casou com uma das minhas irmãs, Bernardete. E, mais ainda, quando o casal passou a morar no sítio Saracura, pois meu  pai resolvera mudar sua tropa para Aracaju.

O sítio ainda hoje pertence ao casal, de onde tira o sustento, trabalhando na agricultura e criando algumas  reses. Eu vou sempre lá e trago, dependendo da época, saborosas melancias, batatas peidonas, aipins cozinhadores ou arrobas de inhame inigualáveis. Não pago um tostão, mas  pagaria o quanto cobrassem, porque não existe nada melhor do que o que se produz naquele sítio abençoado. Haja vista nós.

Antonio continua um bom companheiro e exerce certa liderança entre os moradores da Terra Vermelha. Cheio de graça, tem uma piada nova para divertir cada rodinha aonde chega. E tira, com os mais conhecidos e que sabe gostarem, uma lera de sacanagem, que deixa um rastro de risos até uma hora depois.

Esta verve é própria  do povo simples dos sítios. Acho!  Pelo menos é onde eu vejo afluir com mais intensidade. Os  saracuras, salvo algumas exceções,   são todos espirituosos. Tio Chico (Chico de Pepedo Saracura), que faleceu o ano passado com mais de oitenta anos,  sempre tinha uma piada curta para contar,  uma saída espirituosa para cada engasgo. Tio Homero, que era  dos troncos dos Ferreiros (nada a ver som os saracuras) era  cheio de ditos, pegadinhas infames. Os Peixotos,que nem são meus parentes,  não perdem uma oportunidade de gozarem da cara do incauto, contarem uma piada ferina ou armarem tretas.  

Antonio, agora, tem 65 anos e sua esposa (minha irmã) me disse que ele está  ficando broco: Esqueceu o tanque de óleo do trator sem a tampa  em três  das cinco vezes que completou o óleo. Foi fechar os “aspersores” que jogavam água nas melancias novas e voltou para casa com um pé de aipim  na cabeça.  A água continuou jorrando a noite toda e embebedou  a lavoura.  Pegou as chaves do sítio no prego da casa de rancho e as colocou no bolso das calças. Em seguida, sem motivo muito claro, trocou de calça, jogando a usada no cesto de roupas sujas. Montou na moto e foi para o sítio. Meia hora depois, retornou à cidade para  buscar as chaves reservas, alegando que o bolso da calça furara e, mostrou o buraquinho por onde, segundo ele,  as chaves haviam escapado.
Ao  encontrá-lo, dias depois,   perguntei-lhe  se era verdade o que minha irmã  me dissera, de ele estar ficando broco. Arregalou os olhos:
- Sua irmã é quem está broca. Você sabia que o primeiro sintoma do broco é espalhar que outra pessoa (esposo, amigos) está ficando?

E agora?

Pelas minhas contas, ambos estavam espalhando. E até eu estou também. Já se viu uma coisa dessas?

“Este Antônio de Dezi
Vive em Terra Vermelha
Um povoado de gente
Que não olha a vida alheia
Não tem medo de trabalho
Nem também de cara feia”





Irmã Terezinha – Uma visita ao Lar Cidade de Deus

Irmã Terezinha – Uma visita ao Lar Cidade de Deus

(Enviado para publicação em jornal)

Estava em Itabaiana e fui, acompanhado por compadre Castelo, meu cunhado e caminhoneiro aposentado, ao Lar Cidade de Deus. Ele tem uma irmã internada lá. Tinha também um sobrinho meio perturbado, filho da tal irmã, mas começou a bater nos velhos. Dava cascudos, murros à traição e até fez ameaça a irmã Terezinha, a gerente. Castelo teve que correr lá, uma boca de noite, retirar o valentão e interná-lo num abrigo próprio para pessoas mais dificultosas.

Era começo da noite e os sessenta e oito internos tinham acabado de jantar. Alguns estavam no salão assistindo televisão e outros zanzando a toa, aqui e acolá, ou sentados à porta de seus apartamentos, corujando a nossa visita. Eu já fora lá duas ou três vezes. Mas estava necessitando de algumas informações para compor um livrinho de versos, dentro do meu objetivo de contar a história das pessoas de Itabaiana que me marcaram, chamaram minha atenção pelo seu comportamento, atividade, ou fosse lá o que fosse. E irmã Terezinha era uma dessas pessoas. Sem contar que nascera em Terra Vermelha, onde eu nasci também,  o que muito me envaidece.

Encontrei irmã Terezinha na farmácia, entregando comprimidos a uma das internas.  Pouco depois, estávamos sentados em um duro banco, ela respondendo a minhas perguntas, contando sua história   e sua lida. A história, em parte, eu  conhecia. Pelo menos no que se referia a seus pais. João Borges era irmão de minhas tias tortas,  Iaiá de tio Pedro e Sinhá de tio João.  E fora muito ligado a papai, e sempre estava no sítio Saracura,  pois ambos eram carreiros e mexiam com gado. Eu me lembrava de quando sua esposa Maria (a mãe de irmã Terezinha), filha de Zezé e de Otília, foi embora para São Paulo. Deixou os filhos pequenos na casa de Otília dizendo que ia até Itabaiana fazer uma consulta. Só voltou muitos anos depois, trazendo novos irmãos para os que deixara em Terra Vermelha.

Irmã Terezinha (Tereza  Teles de Menezes) falava com alguma dificuldade, convalescia  de uma enfermidade que quase lhe tirara a vida.

Estudou o primário em Terra Vermelha, inicialmente com dona Zinha, depois no Grupo do povoado. Tirou o secundário no Murilo Braga, em Itabaiana. Está com  sessenta anos de idade. Não é mais  freira, pois pediu licença para cuidar do asilo. Pertencia  a ordem Franciscana Missionária de Nossa Senhora, fundada na França mas que tem atua no mundo todo.  Está no Lar Cidade de Deus desde 2003 quando o padre Carlos Alberto (hoje bispo de Teixeira de Freitas) inaugurou a instituição.  Antes trabalhou no Hospital de Itabaiana, por dez anos. Dedica-se integralmente aos seus velhinhos.

O Lar Cidade de Deus pertence à Ação Social da paróquia de Santo Antônio e Almas de Itabaiana. A capacidade de hospedagem é de 72 internos.  É mantida pela aposentadoria dos velhinhos internados, contribuições espontâneas da população, subvenções da  Assembleia Legislativa do Estado, rendas de feijoadas, forrós, sorteios de rifas...  Um comitê de católicos administra o Lar, e é formado (atualmente) por Josias Peixoto,  Samuel do Prontolab, Fernando de João Inácio, Professora Magnólia, Emília do finado Milete, entre outros. De dois em dois anos esse Comitê é substituído. Uma equipe médica dá assistência local, e se o caso for grave, o doente é levado para Aracaju, pagando-se as consultas, exames e o que for preciso. Padre Raul Borges é o assistente espiritual e todo domingo  celebra a missa na cidade de Deus.



As instalações são compostas por  seis pavilhões de dormitórios, cada um com seis quartos  e cada quarto podendo acomodar até três internos. Todos os quartos são suíte, isto é, tem banheiro.  Há ainda um salão de festas (ou de recreio), capela, refeitórios, lavanderia, garagem, almoxarifado e  farmácia. O terreno tem 13 tarefas, sendo que 10 são separadas por muro, isto é, estão fora do núcleo construído. É lá que  irmã Terezinha cria duas vacas de leite. Tem 20 empregados, fora eventuais voluntários, que acorrem, especialmente, nos eventos.


Pessoas como essa irmã
Num mundo tão insensível
É uma graça a celebrar
Uma mudança de nível
Engrandece qualquer povo
Faz o velho ficar novo
E o impossível, possível.








LUIZ COURO - No rastro de um velho macumbeiro


(publicado no Jornal da Cidade, em 21/05/2011) 


Alguém me falara que Valdomiro morava em Aracaju, no bairro São Carlos, na saída da cidade. Fui até lá, perguntei por ele em cada mercearia. Ninguém sabia me informar do acólito de  Luiz Couro, que herdara seu terreiro e suas funções, se bem que sem o mesmo carisma do velho macumbeiro. O São Carlos é bem maior do que pensara e resolvi retornar depois com mais tempo e uma estratégia de busca.

Foi quando precisei ir a Itabaiana, ao lançamento do livro “Vendedor de Sereias” de Robério Santos, no dia 12 de maio último. E cheguei muito cedo para a festa. Havia tempo disponível e toquei para Campo do Brito,  onde mantivera contato com esse povo misterioso, trinta anos atrás, quando comprei  a fazenda  Sariema (de Luiz Couro) que depois rebatizei como Saracura e que, posteriormente, vendi a Joaquim Macedo, do Colégio Purificação.

 Bati na porta de uma casa na praça da saída para Macambira.  Fora ali que conversara com Valdomiro pela última vez.  Uma mulher amistosa  me informou que o meu amigo, há seis anos, mudara-se para o céu. Mas um filho morava ali perto. E começou a gritar, chamando alguém que passava de moto. Era Cuscus, o tal filho de Valdomiro.  Ele me encaminhou a sua mãe, dona Terezinha,  na estrada da Ribeira, na saída para o Ceilão. Ela  teria as informações que eu queria, garantiu-me.

Encontrei-a sentada na calçada, à porta de sua casa. Disse-me que, uma  aprendiz de macumbeira levara tudo que se relacionava ao culto e sumira no mundo. Não possuía mais nada.  Só se Roque, filho de Luiz Couro, pudesse me ajudar. E deu-me o endereço, no bairro Bom Jardim, depois da Usina, no outro lado da cidade.

Tive alguma dificuldade,  mas Pedro, um cidadão que encontrei no caminho, ofereceu-se para me levar lá. A casa de Roque (na Rua José Teles de Meireles) estava fechada e tinha uma placa indicando ser um  Centro Espírita. Talvez o filho continuasse os trabalhos do pai, pensei. Uma vizinha se apressou em me indicar a casa ao lado, em construção.  Roque estava lá, cercado de meninos pequenos, frutos de uma nova união mais ou menos estável. Era um senhor de setenta anos, baixinho, solícito. E foi me respondendo o que  lhe perguntava, visando o meu objetivo de escrever um livrinho de versos falando do macumbeiro Luiz Couro,  por quem  tive sempre admiração.
Soube da existência de outros filhos de Luiz Couro (irmãos de Roque), ainda vivos:  Josefa – que mora em Aracaju, perto da Catedral;  José –  que mora no Rio Grande do Sul, vizinho ao Paraguai; e Paulo –  que mora em Manaus ou em uma cidade perto.

Luiz Couro (Luiz Tavares de Andrade) nasceu em 1917, no povoado Lagoa, em Campo do Brito, onde hoje é o Posto de Maim, na entrada da cidade, na beira da pista para Itabaiana. Faleceu em 26/09/1990. Era filho de  Manoel Couro, que tinha esse sobrenome porque vendia os couros dos muitos bodes que matava no seu açougue pé-de-pau.

Ainda rapazinho, Luiz Couro foi morar na Bahia (Salvador), onde exerceu a atividade de verdureiro, vendendo nas feiras e de porta em porta. Lá manteve contato com os terreiros, tendo conhecido os grandes nomes do candomblé. Retornou  muito doente e foi acolhido por seu  tio Alexandre, um famoso nagô em Laranjeiras.  Deve ter aprendido com ele mais um pouco sobre as crenças discriminadas.

Logo que se curou, arrumou casamento e começaram a nascer os filhos. Foi quando resolveu montar um terreiro (que chamou de “Centro Amor e Bondade dados por Jesus”), para sobreviver.  Inicialmente, trabalhou com  mesa branca. Além do Brito, teve terreiros  em Aracaju, Itabaiana, Pinhão e São Cristovão.

Quando morava na fazenda Sariema (aquela que depois virou Saracura)  construiu um hospital, onde internava enfermos,  dava banhos de ervas santas, rezava rezas fortes, fazia malemas. Muitos chegavam  quase à morte, e retornaram curados para suas cidades.

Roque falou das pessoas que estavam sempre ajudando o santo, como Valdomiro (que o substituiu após a morte), Dona Bidu (já falecida), Zefa de João Preto,Maria de Pedro Leôncio e Rita de Zé Couro.

Sobre Sultão da Mata, o intrigante caboclo índio, contou-me que tem ainda a imagem, de mais ou menos um metro de altura,  na capelinha de São Domingos, que está fechada. Guarda lá também outras imagens sagradas, como Nossa Senhora da Conceição, Santo Onofre,  São Domingos, São Jorge, Santa Bárbara, Iemanjá e Nossa Senhora das Candeias. De dois em dois meses ele vai, com algumas antigas devotas, espanar a poeira, limpar o mato ao  redor.
Convidou-me para acompanhá-los no próximo domingo. Mas não deu, dessa vez.

“São Domingos ainda hoje
Tem saudades do seu “santo”
Das procissões pelas ruas
Que eram motivo de espanto
Seu Luiz paramentado
Os andores adornados
E o povo entoando cantos”





domingo, 1 de maio de 2011

Fio da Fibra - Fio da Fioberglass - Toninho de Tereza - Antonio e Souza Filho (livrinho de versos)


O FIO DA FIBRA


O personagem principal: Antônio de Souza Filho,
também conhecido por Fio, por Tonnho.
É empresário e tem sua fábrica (Fioberglás)
instalada no  Distrito Industrial de Aracaju. 
Trabalha com seus dois filhos
e mais cerca de 40 pais de família.

O Autor: Antônio Saracura
(Antônio Francisco de Jesus),
escritor popular, filho de
Itabaiana (Terra Vermelha).
Tem 65 anos e mora em Aracaju.
Autor dos livros sobre Sergipe
(e especialmente Itabaiana):
“Os Tabaréus do Sítio Saracura”
“Meninos que não queriam ser
Padres”


Este livrinho: Nasceu da intenção
do autor de escrever pequenos
livros de  versos sobre pessoas
e coisas de Itabaiana. Apesar de Fio
ser originário de Lagarto,
poderia muito bem ter nascido em Itabaiana.
Eu teria muito orgulho se assim fosse.


 Ato 1-  As origens


Nasceu no Santo Antonio de Lagarto
Caminhos embrejados nos invernos
Rústico povoado em busca à Riachão
Sítios férteis, casas centenárias
Alpendres espaçosos, acolhedores
Biqueiras respingando nos oitões
                                                                       
Becos cavados, rastros sobrepostos
Pagés, caciques, arcos retesados
Novos sesmeiros chegam aguerridos
Bacamartes espoucam, penas voam,
Tupã rasteja aos pés da santa cruz
Sobras tristes de tempos esquecidos

Folhas largas de fumo arfando ao vento
Parecendo um mar verde amarolado
Na malhada tratada com esmero
Arames esticados, retesados
Com fileiras de pássaros pendurados
Asas soltas cheirando a caramelo

É assim do mesmo jeito em todo sítio
Não importa a cor, o sexo ou a idade
A lida doida em busca do melhor
Todos na roça e longe do lazer
De sol a sol pagando sem dever
Minando sangue com gosto de suor

Cadê o algoz de todas as manhãs?
A alvorada mal desponta ao longe...
Cadê a voz chamando para a lida?
Não voltou para casa ontem à noite...
Alguém passou falando na estrada
Que  fora embora com uma rapariga.

Sumiu o provedor, o que fazer?
Em casa não tem pão e nem farinha...
Onde buscar o prato de comida?
Uma infância de provas sem limites
Sonhos morrendo antes de nascer
Passageiras manhãs, noites compridas...

Ato 2 - O Casamento com Terezinha


Estanislau Rodrigues – seu Bilau
Um rico fazendeiro de Lagarto
E forte comerciante. Suas filhas
Haviam se casado uma a uma
Com rapazes quebrados do lugar
E mais uma seguia mesma trilha
                          
Pois não é que Tereza, a Terezinha,
A mais bela de todas suas filhas
Em que depositava um grande amor
Recusara propostas de doutores
E filhos de ricos fazendeiros
Preferindo casar com um pintor

Um pintor de paredes sem dinheiro
De costumes suspeitos, mal falado,
Criado pelas ruas sem um pai
- “Mas por que me faz isso Terezinha”?
- “Acabe este namoro enquanto é tempo”!
- “Que vida pode dar-lhe este rapaz”?

Seu Bilau conhecia a tabuada
Por mais que empatasse não servia.
Casaram sem ter casa pra morar...
Pegaram um pau de arara e foram embora
Buscar na terra alheia algum espaço
Que Lagarto não tinha como dar

Ato 3 -  São Paulo 

Foi morar em São Paulo, com um cunhado
Que há muito lá morava e era tido
Como a salvação da parentada
Era dono de casas de aluguel
E de um loteamento em Mogi
Onde vendia sonhos à baianada.

Lourival, pois este era o seu nome,
Arranchou o casal em uma vila
Onde moravam outros conterrâneos
Emprestou o dinheiro necessário
Pois de Sergipe Antonio só trouxera
A esposa apaixonada e muitos planos



Ato 4 - Tempos Bicudos

O começo foi duro, faxinou,
Serviu de tapia ao corretor
Qualquer biscate era festejado
E o pouco dinheiro que ganhava
Pagava a quitanda, o senhorio
E a parcela atrasada do cunhado


Tereza, como ele, todo dia,
Saía cedo em busca de serviço
Sob o frio da cidade poluída
Qualquer renda somada ajudava
Na compra do enxoval para o bebê
Que pulava inquieto na barriga

Oficina mecânica na Oscar Freire
E outras oficinas no Bexiga,
No Brás, no Paraiso, em Santo Amaro
Lixar, bater, montar, tapar buracos
E todo fim de mês a espera incerta
Pelo magro envelope do salário

Serviços marginais de pouca renda
Sem registro em carteira e inseguros!
Mas Antonio sonhava um dia ser
Empregado numa firma de verdade
Onde pudesse mostrar o que sabia
Com um salário que desse pra viver

Outro cunhado estando em São Paulo
E através de amigos influentes,
Doutor Pedro Rodrigues de Carvalho,
Conseguiu empregá-lo na Calfat
Uma grande indústria de tecidos
Que assinou sua carteira de trabalho

O salário pequeno e o serviço
Não era o que gostava; os automóveis
Foram sempre um sonho a alcançar...
Mas ficou na Calfat até que um dia
A empresa fechou e deu-lhe as contas,
Voltando outra vez a faxinar.    

Ato 5  – A willys

Certa noite ele viu um outdoor
Da Willys Overland do Brasil
Iluminando o céu do Tietê
Seu coração bateu em disparada
Sentiu que o destino lhe apontava
A rota que devia percorrer

Pela manhã pegou um coletivo
Com destino à fábrica da Willys...
Quando chegou o pátio estava cheio,
Pessoas aguardando impacientes
Vindas de todos os cantos de São Paulo
Pelo mesmo motivo que ele veio


Alguém lhe explicou que um capataz
Dentro em pouco viria lá de dentro
Como sempre  era comum acontecer
Oferecendo as vagas de trabalho
Parecido com um jogo de baralho
Dependia de sorte pra vencer

Ele gritava os cargos que a linha
De produção da fábrica precisava,
Oferecendo as vagas no emprego,
E escolhia alguns dos candidatos
Que na hora mostravam a carteira
A seu critério, apontando o dedo

Sempre tinha mais gente que as vagas
E assim muitos voltavam para casa
Desempregados como haviam ido
Em vários dias a função de Antonio
Não foi chamada uma vez sequer.
- Outro cara  teria desistido!

Por estar sempre ali todos os dias
Findou sendo notado pelo chefe
Que quis saber qual era a profissão
Daquele persistente candidato
Que estava sempre atento às chamadas
Mas nunca respondia  à seleção.
  
Falou que era pintor, de preferência,
Mas podia fazer qualquer serviço
Desde levar recado a limpar chão
Ajudar na pintura, polir carros
Tinha pouca leitura, não negava,
Mas garantia dar conta da função

O chefe olhou-o com pena e lhe falou:
- “o gerente americano que pintar
Seu carro de um modo especial
Vamos ver se você pode fazê-lo!
Dê-me a carteira e vá atrás do mestre
Para fazer o teste inicial”.

Antonio estremeceu, o que sabia
Desta arte difícil de pintar
Era melar paredes de cal virgem.
O mestre logo viu que seu pintor
Não sabia o que era uma pistola
Nem sabia sequer a sua origem.

Mesmo assim resolver ficar com  ele
Que mostrou depois ser um bom aluno
Com um jeito especial de fazer bem
Em pouco conquistou a confiança
Das equipes do seu departamento
Alem do nome de guerra que hoje tem.

  
É que o seu gerente americano
Ainda estava aprendendo o português
E como lá na sua terra o sobrenome
É quem nomeia o cara a ser chamado
E era “Fio” em vez que “Filho” que
conseguia falar aquele homem

E um dia a Willys resolveu
Criar uma escuderia de corrida
Fio foi escolhido o executor
Dos projetos dos carros esportivos
Aerofólios, cokpits, suspensões
Veneno e mais  arranque no motor

Ganhou corridas junto com os pilotos
Bebeu com eles a champanhe das vitórias
Aparecendo em fotos coloridas
Foram anos de trabalho e de sucesso
Até que a willys mudou sua política
Cortando o patrocínio às corridas

Ato 6 – Pequeno Empresário


Os pilotos sentiram fundo o corte
foram atrás de outros patrocínios
Não podiam parar assim de vez
E propuseram ao Fio abandonar
A Willys e montar sua própria empresa
Pensou um pouco e foi o que ele fez

Alugou um espaço interessante
Nas proximidades de Interlagos
Junto  à Rio Bonito, na Ipanema...
Além da encomendas dos pilotos
Buscava atender novos clientes
Crescer cada vez mais era o seu lema

E os pilotos muito satisfeitos
Com o jeito amigueiro do Fio ser
Com o ótimo serviço da oficina
Traziam os amigos endinheirados
Melhorando a renda e garantindo
Uma clientela cada vez mais fina

Foi quando conheceu  Roberto Carlos
Emerson Fitipaldi e Carlos Pace
O Greco, que pra ele foi um pai,
Luiz Pereira, além de Chico Landi...
Pilotos, empresários e artistas
A roda da política e muito mais.

Ato 7 – O calote


A firma foi chamada Fioberglás
Uma homenagem ao dono e ao produto
Problemas apareciam a cada hora
Alguns fregueses espertos aproveitavam
A extrema confiança que dispunham
Pegavam o carro pronto e iam embora

Depois pra receber era uma novela.
Como o caso de certo magnata
Que nunca lhe pagou pelo serviço  
Um tuning completo de um mustang
Que ficara um luxo de beleza
Uma obra de arte ou mais que isso

O pilantra falava “eu levo hoje”
Ou “passo ai até a sexta-feira”
Nem vinha nem mandava o pagamento.
Como pagar as peças que comprara
Exatamente para o tal serviço
Que há muito já passara o vencimento?

Precisando urgente do dinheiro
Mandou muitos recados por amigos
Foi ao clube que ele freqüentava
Telefonemas, cartas sem respostas
Foram muitas. Até que resolveu
Ir cobrá-lo na casa onde morava
 
Quando chegou à porta uma das filhas
Que estivera com o pai na oficina
Recebeu-o com festa e o conduziu
Para aguardar na sala de espera
Iria avisar ao seu papai
Da  visita de seu amigo Fio

  
O tempo foi passando e ninguém vinha!
Só depois de uma hora é que ouviu
Passos de fera pisando no oitão.
Abriu um pouco a porta e assustado
Fechou mais que ligeiro, um pitbul
Tentou abocanhar a sua mão.

Se tentasse sair até a rua
Com certeza o cão o pegaria
Até pensara antes fazer isso
Pois tinha outros serviços na cidade
E já perdera aqui tempo demais
Atrapalhando esses compromissos

Mas agora o cachorro estava à espreita
Como que estrumado pra pegá-lo...
Que poderia estar acontecendo?
Seria uma armadilha?... Era possível?
Não vira a fera na hora que chegara
Naquela área em que o estava vendo

Fazer então o quê? Estava preso
À mercê do cachorro e do manhoso!
Permaneceu ali atribulado
Até que o cliente apareceu
E  entrou segurando um telefone
Parecendo falar com um delegado


Sobre uma invasão de domicilio...
Parou em frente ao Fio foi falando
Que lugar de invasor é na prisão
Já chamara a polícia de costumes
Que batia primeiro pra depois
Perguntar o teor da acusação.

Fio sentiu-se acuado! O que fazer?
Entrara numa fria do diabo.
Em São Paulo, por nada, era sabido,
Que baiano apanhava da polícia...
Pensou em reagir, mordeu a língua,
Gaguejou, e sentiu-se enfraquecido

Um carro da polícia apitou perto...
Pediu pra não ser preso e implorou
Pela mãe do granfino, até por Deus...
Teve então que assinar um documento
Desistindo de vez desta cobrança
E confessando o crime como seu

Saiu à rua como um fugitivo
Chegou em casa triste e a Tereza
Xingou-o de mulherengo e vagabundo!
O que podia dizer?  Nem tinha álibi!
Tentou beijar o rosto da esposa
E jurar-lhe o  maior amor do mundo


Pensou um tempo ainda em se vingar
Não podia engolir tamanha afronta...
Tocar fogo no carro do safado
Que ficava parado em um clube perto!
Finalmente assumiu a humilhação
Como uma lição do aprendizado.


Ato 8 – A Fase Boa

Trabalhava dobrado e o sucesso
Que sempre vem a quem busca com garra
Permitiu-lhe montar uma grande empresa:
Fabricava chassis e peças raras
Tendo como matéria prima a fibra
Do vidro puro e o toque de beleza

Precisava viver em segurança
Mudou-se para um bairro de granfino
Uma casa de todo um quarteirão
Comprou carro de luxo pra família
Entrosou-se no mundo das indústrias
Importou moldes raros do Japão

Fins de semana  gordos na baixada
Guarujá, Praia Grande e Pernambuco
Casa de praia e amigos sempre perto
Restaurantes de luxo, e no “Buraco”
As canastras nasciam  espontâneas
O parceiro abria o jogo certo 


Ato 9 – O Itau

Numa mesa sentada toda a cúpula
Os Setubal e outros dirigentes
Do banco Itau computadores
Buscavam encontrar na reunião
Alguém com poder de criação
Concorriam ali muitos doutores

Quando  Fio explicou  o seu projeto
O velho presidente admirado
Chamou o sergipano pra o seu lado
E propôs associar-se em uma indústria
De produção de peças de informática
O negócio mais quente do mercado

Era para aceitar ali na hora
Não existia margem de perigo
O banco Itaú financiava
O Fioberglás detinha o know-how
Era só trabalhar, ganhar dinheiro
Em um produto que todos esperavam

Resolveu pedir um tempo
Pra conversar com a família
Doutor Setúbal sentiu
Um leve pressentimento
Ali naquele momento
Que estava perdendo o Fio

Estas oportunidades
Que a vida sempre oferece
Precisam ser captadas
No momento que aparecem
Pois elas sempre definem
Muito mais do que parecem

É o rumo de uma vida
Que muda em um momento
É o sucesso ou o fracasso
É tudo ao mesmo tempo
Do jeito que aparece
Desaparece no vento

Lamentar depois o leite
Que derramou sob a mesa
É um direito, mas nunca
consertará com certeza,
todo o dano provocado
Num instante de fraqueza

É certo que a Fioberglás
Continuou trabalhando
Mas muito à mercê das crises
Sofrendo com ventos brandos
Quando poderia estar
Acima destes desmandos

  
Ato 10 – O Retorno
  
Mas como todo filho do nordeste
Sonha sempre em voltar a sua origem
Fio trouxe sua fábrica para cá
Os órgãos consultados do governo
Que liberam incentivos às empresas
Torceram o seu nariz pra Fioberglás

Mesmo assim a empresa se instalou
Num galpão alugado e escondido
Lá no antigo bairro industrial
Produzindo capotas de picapes
Uma linha completa de acessórios
Que por aqui não tinha nada igual

Exportava peças pra São Paulo
Suprindo a unidade que deixara
Sob as ordens do filho, e vendia
Para todo o nordeste, foi até
Sondado pra levar a sua  fábrica
Ao vizinho estado da Bahia     

Mas ficou em Sergipe e batalhou
Até que conseguiu se instalar
Na área das indústrias dos ditosos
Sem usar um centavo de incentivo.
Do governo teve apenas o rigor
Das leis e dos fiscais gananciosos 

Trabalha com os filhos e parentes
Alguns  foi buscar no Santo Antonio
Do Lagarto em rumo à Riachão
Sergio e Soraia, frutos de seu sangue,
Marlene,  Edmilson e muitos outros
Parceiros da empresa e coração   

Vinte anos depois, a Fioberglás
Continua gerando para o Estado
Empregos, progresso e muito mais
Enquanto no Distrito Industrial
Os galpões das empresas incentivadas
Servem hoje de abrigo a marginais


Ato 11 - Final


     
Fio da fibra é este cara
Que lutou tanto e venceu
E os pequenos tropeços
Serviram de recomeços
Com muita mais fé em Deus

Ser pobre não é defeito
Esta não é a questão
Se o homem quer de verdade
Supera adversidades
Persegue sua ilusão

É certo que às vezes há
Alguns momentos bicudos
O norte some perdido
A vida perde o sentido
Não só a vida, mas tudo.

São nestas horas difíceis
Que cada um mostra o valor
Ou sai mais fortalecido
Ou tomba desfalecido
Devido a mesma dor


Aracaju,  julho de 2009
Antonio Francisco de Jesus




sábado, 16 de abril de 2011

GENÁRIO PEDREIRO - Publicado no Jornal da Cidade (Aracaju) em 15/04/2011



GENÁRIO DAS FLECHAS – Uma memória brilhante


Vou começar dizendo que  Batanga, Diego e  o ferreiro Zé de Tula  (que tem sua tenda na rua Antônio José dos Santos, uma das saídas para as Flechas, em Itabaiana) são os responsáveis.  Batanga por ter filmado algumas recitações; Diego por ter feito (sem cobrar um tostão) uma cópia em cds para mim e, finalmente, Zé de Tula, filho de Deolindo (casado com Cristina de Mengo, prima de minha mãe) e de uma morena bonita chamada Tula...  Este Zé,   na feira de Itabaiana  (era um sábado no começo de dezembro),  quando parei na sua banca de foices e lâminas para forrageiras, foi logo falando:
- Sabe Genário, seu primo?  Você precisa ver! Ele foi ao Faustão ou  ao Sílvio Santos, um deles!  Os jurados de boca aberta, a plateia suspensa e o Brasil de respiração presa.  Só Genário recitando seus versos e suas listas de sabedoria, descarregando sua memória de computador.   Aqui nos comícios, quando Luciano deixava que ele falasse, até os baderneiros da oposição batiam palmas. Vou mandar Diego copiar as fitas. Venha sábado pegar. Sem falta!

Genário (Agenário Pereira de Carvalho, 76 anos) é um dos filhos de Sizino e de Lourdes, nascido nas Flechas de Itabaiana.  Sizino (seu pai)  era filho de Candinho Pereira (do povo dos Caga-Rancho, dos Calumbys de Frei Paulo) e de Conceicão, uma das filhas de Nicolau de Norato, que era o pai  também de mãe Céu (Maria do Céu Monteiro), que é minha avó materna. E Lourdes, a mãe  de Genário?  Pertencia a outros troncos (dos ferreiras), que peço permissão para não falar. Árvores genealógicas são sempre confusas!
Sobre Sizino, (o pai de Genário), sabe-se que deixou a esposa criar sozinha os filhos e foi para São Paulo, onde continuou ignorado e mais explorado ainda. Voltou doente, ficando a zanzar entre suas rimas, uma garrafa de pinga e a morte inexorável.   Um homem como ele não poderia suportar lúcido, o mundo injusto e tudo mais. Analfabeto, pobre, sem plateia justa, mesmo tendo uma mente rara. Escutava pai Totonho ler um livro de cordel, e saia pelas bodegas recitando de cor, inteiro, sem perder uma vírgula. Ao morrer (conta a lenda), sabia mais de cem obras, que recitava, até mesclando umas com outras, alternando versos de obras diferentes, trocando os personagens pelos moradores da vizinhança, bastava alguém pedir.

Esqueci completamente de Zé de Tula e só retornei à Itabaiana depois de três meses. Ao correr a feira, como sempre faço, e ao encostar na banca de verduras de Arnaldo de tio Zé,  ele me disse que Zé Tula queria falar comigo, urgente. Corri lá! O ferreiro estava indignado:
- Você demorou mais do que devia!  Esqueceu-se do nosso trato, né? Passe lá em casa no final da tarde!  Você vai gostar,  ainda mais  agora que o passarinho parou de cantar!
Retornei para  Aracaju sem a encomenda. Lembrei-me em casa, à noite. Telefonei para minha irmã Lourdinha, que mora perto, para que a pegasse.
Apenas no fim da semana pude escutar os cds (ainda bem que não eram fitas!) e  retornei, às carreiras, à Itabaiana.  Não podia esperar, tinha que falar com Genário, de que eu nem sabia o endereço. Como eu nunca soubera de sua espantosa e brilhante memória.  Um pressentimento macabro, se bem que fugaz, me tingia o céu. Pessoas como ele são frágeis. Se eu quisesse desfrutar de sua genialidade, não podia perder tempo.
Encontrei  Zé de Tula na tenda, consertando um ferro de marcar gado. Pedi-lhe que me levasse logo, eu precisava falar com Genário.  O ferreiro parou o serviço e me olhou espantado:
- Gostou tanto assim das fitas, foi?
- Gostei demais!  E aí? Pode me levar lá? Pra que lado é que fica a casa dele?
- Calma, Tonho! Genário agora está no cemitério de Itabaiana. Tem um mês que morreu. Eu falei pra você na feira, só se você não entendeu.
E vendo a minha cara de extrema aflição, concluiu:
 – Desculpe!

Voltei para Aracaju como um cavalo trôpego, arrastando os bicos dos cascos no asfalto. Desorientado. Quase não chego!
Em casa, liguei o computador e fiquei o resto do dia e a noite inteira revendo Genário recitar suas obras, na ponta da língua e, ao final de cada uma, dar aquele sorriso concho de quem tem consciência do seu valor.   Afoguei-me  na teima com Messias Peixoto sobre os itens de seu supermercado,  no teste de admissão de ajudante de pedreiro, no estoque da loja de material de construção de Mateus, nos povoados de Itabaiana...  E em muito mais!
E descobri que os seus filmes estão no ‘Youtube’ (outra gentileza de Batanga), basta ir  ao Google e buscar “Genário Pedreiro” (pedreiro foi sua real profissão) para  conhecer o que deixei de contar, “mas só uma parte pequena, viu?”.  Muitas fitas se perderam, inclusive as do  tal programa de auditório.

Genário das Flechas (Pedreiro, de Lourdes, de Sizino, meu primo de terceiro grau), que vi poucas vezes na vida,  é agora meu ídolo. Símbolo de meu povo e de minha terra.  Um homem raro, uma mente (memória?) brilhante,  que só conheci graças aos três lá de cima (Batanga, Diego e Zé de Tula).

Genário Pedreiro
por que foi morrer
assim tão ligeiro?
Deixasse primeiro
eu te conhecer!
  
Antônio Francisco de Jesus (Antônio Saracura)
Escritor itabaianense, autor de “Os Tabaréus do Sítio Saracura”,
“Meninos que não queriam ser Padres”...

segunda-feira, 28 de março de 2011

O LIVRO DE JOSIAS PEIXOTO



Meu pai é originário do Cajueiro, de onde meu avô Pepedo Saracura  migrou para Terra Vermelha, quando comprou o velho sítio de Eduardo Silveira (pai de Zeca Mesquita) que ainda hoje nos pertence.  Cajueiro, Canário, Congo, Terra Vermelha e Pé do Veado confundem-se em muitas das suas divisas.  Apesar da emigração de Pepedo Saracura, dois irmãos dele permaneceram no Cajueiro: Pedro de Mané José, e Chagas. Este último teve uma filha  (Bila) casada com João de Jerome, irmão de Basto.  Dessa forma, os Saracuras e os Peixotos conviveram a mesma vida dura dos sítios e respiraram o ar abençoado  que afaga esses povoados heroicos de  Itabaiana. A mãe dos dezesseis peixotinhos  (Maria Nunes Peixoto), por conta disso tudo, sempre foi amiga de minha mãe. E confidenciava a Florita (minha mãe) naquele dia de festa de Santo Antônio, talvez em 1962, que também “gostaria muito de ter um filho padre”.  Ela conseguiu ordenar dois (Antônio e Gerônimo) e mamãe nenhum (logo depois, larguei a batina).

Há poucos anos, certo dia, minha esposa trouxe-me da faculdade onde estudava um livrinho de versos. Uma colega, chamada Inês, de Itabaiana, dera-lhe, dizendo ser a história de sua família. Li de um fôlego e resolvi  escrever também um livro parecido sobre a minha. Daí é que nasceu o cordel  “A Família Saracura”, que depois de circular por quatro anos, incorporei ao apêndice livro “Os Tabaréus do Sítio Saracura”, que publiquei em 2008.  Meu livro chegou até Basto (levado pelo seu filho Josias) e, devido a isso, tive a honra de desfrutar de sua convivência, quando saboreei seus poemas escritos durante a vida toda e tentei desarmar suas engenhosas armadilhas cinzeladas com esmero, mas não consegui.

Talvez também pelo que acabo de contar, o livro de Josias Nunes Peixoto (“Maria Nunes Peixoto – uma mulher cheia de amor”) atingiu-me como uma língua de fogo. Por muito mais também. Recebi a joia, trazida por Lourdinha, minha irmã de Itabaiana. Acabei de ler agora, afogado em emoção. Cada página descortina lições de vida, resgate dos costumes de nosso povo dos sítios.  Acompanhei as novenas nas vésperas dos dias santos de guarda, as via sacras pelos sítios vizinhos. Postei-me ante o santo oratório da varanda. Rezei o Terço e o Santo Ofício e fui a pé até a cidade quase inacessível, para assistir à missa das oito.  Testemunhei a luta pelo estudo dos filhos. Entrei sorrateiro na repartição (e multiplicação) do pão, disputando um pedacinho com tantos passarinhos de bico grande e aberto.

O livro todo, como a vida da família Basto (Nunes Peixoto) é  entranhado de fé, de doutrinas, da Bíblia. Os Salmos, os Evangelhos, as Epístolas fluem  em citações como se fossem a própria vida da família, ao lado de casos engraçados que deflagram incontidas gargalhadas. Como a história da cirurgia que seu Basto teria que fazer em Aracaju. Adelson, que o levava, passou antes na Funerária, para resolver alguns assuntos administrativos. “Vai fazer o que ai?” – pergunta Basto. “Pegar logo o seu caixão. Possa ser que o senhor não resista e, assim, não precisarei voltar a Itabaiana” – responde Adelson no melhor estilo mordaz e hilário do pai e de nosso povo dos sítios. Como também, na morte do velho Jerônimo (Jerone) quando Basto, antes de ir buscar o caixão, pediu uma farofa com café, pois estava com fome. Dona Maria questionou o momento, ao que ele respondeu: “Eu estou ainda vivo e preciso trazer de Itabaiana um caixão na cabeça!”. Como no golpe aplicado pelo esmoler que quase levou o feijão todo da família, aproveitando-se da bondade do menino Antônio, que ao despejar uma cuia no saco, perguntava: “O senhor quer mais? Ainda tem muito!”

O livro é um testemunho da vida de “uma  mulher cheia de amor” e de todo o povo do Cajueiro, dos outros povoados de Itabaiana, quiçá do mundo. E alcança, com sobra, ao que se propõe o autor, “apontar algumas dimensões  da vida de sua mãe (Maria Nunes Peixoto), relacionado-as  com o meio, com a família, com as pessoas, com os costumes de seu tempo”. É uma boa leitura, que agradará certamente a quem tiver a oportunidade de encontrar ainda um exemplar.

Antônio Francisco de Jesus (Antônio Saracura)
Autor do livro “Os Tabaréus do Sítio Saracura”

PS: Enviei para a Itnet em 27/03/2011 às 23:00 horas.


PREPOTÊNCIA DO PODER ABSOLUTO

Tendo os “Callcenters” como escudo impenetrável, os gestores das empresas se refestelam em  poder, prepotência e o que quiserem. Sejam empresas públicas ou privadas. Assumem o controle, dominam, mandam e desmandam a seu gosto. Os órgãos fiscalizadores quase sempre são camarinhas onde dormitam compadres. Pelo menos, parecem! E os Escudos Impenetráveis viram adagas afiadas, extrapolando funções, assumindo  vazios, engolindo inércias, enterrando imagens.

Resta-nos a imprensa independente para (pelo menos) escutar as queixas das vítimas, que passamos a ser, de quem deveria estar ao nosso lado. Esses (quem deveria estar ao nosso lado) subiram tanto, inflados pelo poder sem limites, que mesmo se tentassem, não escutariam mais quem os colocou e os mantem no altar. E esses outros (quem os colocou e os mantem)   foram anulados pela burocracia das empresas manipuladas, e somos, agora, apenas números críticos em planilhas de custos.

Então vejam este caso, para ilustrar:

Por uma falha do banco y, não recebi o meu benefício (salário) de fevereiro/2011 que deveria acontecer no dia 28/02. É que minha previdência privada (Fundação Sistel), à revelia, descredenciou o Banco do Estado de Sergipe, onde eu recebera por mais de dez anos, forçando-me a migrar para um dos seus eleitos. Para minha desdita, optei pelo banco y.

Depois de intensa interação com a Fundação (432340,436602,438366,432927), com os feriados do Carnaval e com o tal banco, finalmente, obtive uma conta válida, em 14/03/2011. Fora a condição imposta pelo poderoso, inflexível, definitivo e insensível “Callcenter” da  Sistel, para que meu dinheiro pudesse descer até mim. A essa altura, meus compromissos estavam todos no ponto fissão, soltos na praça.

Mesmo com a conta aberta, cadastrada e informada, o pagamento não foi depositado.

No dia 17/03 - devo ter sido o primeiro cliente a ligar -  o inflexível “Callcenter” flexionou-se e definiu de maneira inflexível que o meu pagamento de fevereiro só seria enviado no dia 30/03, junto com o pagamento de março. Será?
Reclamei, protestei! Implorei que me deixassem falar com o Presidente, com qualquer gerente. Consegui apenas o número do protocolo do atendimento, 442232.

Estou aqui agora me pegando com Deus (sem “callceu”, ainda), de quem me afastara nos últimos tempos, para que Ele faça com que a sublime Fundação digne-se a depositar meu salário. Mesmo que seja com um mês de atraso, como definiu o soberbo “Callcenter”.  Já estou mesmo contaminado... 
Talvez Ele (Deus, claro!) possa me tirar dessa aflição!

Antônio Francisco de Jesus, aposentado e escritor,  autor dos livros:
“Os Tabaréus do Sítio Saracura” e “Minha Querida Aracaju Aflita” (crônicas que ganhou o último prêmio Mário Cabral, no prelo).

Ps: enviei para o Jornal da Cidade a semana passada mas não foi publicado.