domingo, 1 de maio de 2011

Fio da Fibra - Fio da Fioberglass - Toninho de Tereza - Antonio e Souza Filho (livrinho de versos)


O FIO DA FIBRA


O personagem principal: Antônio de Souza Filho,
também conhecido por Fio, por Tonnho.
É empresário e tem sua fábrica (Fioberglás)
instalada no  Distrito Industrial de Aracaju. 
Trabalha com seus dois filhos
e mais cerca de 40 pais de família.

O Autor: Antônio Saracura
(Antônio Francisco de Jesus),
escritor popular, filho de
Itabaiana (Terra Vermelha).
Tem 65 anos e mora em Aracaju.
Autor dos livros sobre Sergipe
(e especialmente Itabaiana):
“Os Tabaréus do Sítio Saracura”
“Meninos que não queriam ser
Padres”


Este livrinho: Nasceu da intenção
do autor de escrever pequenos
livros de  versos sobre pessoas
e coisas de Itabaiana. Apesar de Fio
ser originário de Lagarto,
poderia muito bem ter nascido em Itabaiana.
Eu teria muito orgulho se assim fosse.


 Ato 1-  As origens


Nasceu no Santo Antonio de Lagarto
Caminhos embrejados nos invernos
Rústico povoado em busca à Riachão
Sítios férteis, casas centenárias
Alpendres espaçosos, acolhedores
Biqueiras respingando nos oitões
                                                                       
Becos cavados, rastros sobrepostos
Pagés, caciques, arcos retesados
Novos sesmeiros chegam aguerridos
Bacamartes espoucam, penas voam,
Tupã rasteja aos pés da santa cruz
Sobras tristes de tempos esquecidos

Folhas largas de fumo arfando ao vento
Parecendo um mar verde amarolado
Na malhada tratada com esmero
Arames esticados, retesados
Com fileiras de pássaros pendurados
Asas soltas cheirando a caramelo

É assim do mesmo jeito em todo sítio
Não importa a cor, o sexo ou a idade
A lida doida em busca do melhor
Todos na roça e longe do lazer
De sol a sol pagando sem dever
Minando sangue com gosto de suor

Cadê o algoz de todas as manhãs?
A alvorada mal desponta ao longe...
Cadê a voz chamando para a lida?
Não voltou para casa ontem à noite...
Alguém passou falando na estrada
Que  fora embora com uma rapariga.

Sumiu o provedor, o que fazer?
Em casa não tem pão e nem farinha...
Onde buscar o prato de comida?
Uma infância de provas sem limites
Sonhos morrendo antes de nascer
Passageiras manhãs, noites compridas...

Ato 2 - O Casamento com Terezinha


Estanislau Rodrigues – seu Bilau
Um rico fazendeiro de Lagarto
E forte comerciante. Suas filhas
Haviam se casado uma a uma
Com rapazes quebrados do lugar
E mais uma seguia mesma trilha
                          
Pois não é que Tereza, a Terezinha,
A mais bela de todas suas filhas
Em que depositava um grande amor
Recusara propostas de doutores
E filhos de ricos fazendeiros
Preferindo casar com um pintor

Um pintor de paredes sem dinheiro
De costumes suspeitos, mal falado,
Criado pelas ruas sem um pai
- “Mas por que me faz isso Terezinha”?
- “Acabe este namoro enquanto é tempo”!
- “Que vida pode dar-lhe este rapaz”?

Seu Bilau conhecia a tabuada
Por mais que empatasse não servia.
Casaram sem ter casa pra morar...
Pegaram um pau de arara e foram embora
Buscar na terra alheia algum espaço
Que Lagarto não tinha como dar

Ato 3 -  São Paulo 

Foi morar em São Paulo, com um cunhado
Que há muito lá morava e era tido
Como a salvação da parentada
Era dono de casas de aluguel
E de um loteamento em Mogi
Onde vendia sonhos à baianada.

Lourival, pois este era o seu nome,
Arranchou o casal em uma vila
Onde moravam outros conterrâneos
Emprestou o dinheiro necessário
Pois de Sergipe Antonio só trouxera
A esposa apaixonada e muitos planos



Ato 4 - Tempos Bicudos

O começo foi duro, faxinou,
Serviu de tapia ao corretor
Qualquer biscate era festejado
E o pouco dinheiro que ganhava
Pagava a quitanda, o senhorio
E a parcela atrasada do cunhado


Tereza, como ele, todo dia,
Saía cedo em busca de serviço
Sob o frio da cidade poluída
Qualquer renda somada ajudava
Na compra do enxoval para o bebê
Que pulava inquieto na barriga

Oficina mecânica na Oscar Freire
E outras oficinas no Bexiga,
No Brás, no Paraiso, em Santo Amaro
Lixar, bater, montar, tapar buracos
E todo fim de mês a espera incerta
Pelo magro envelope do salário

Serviços marginais de pouca renda
Sem registro em carteira e inseguros!
Mas Antonio sonhava um dia ser
Empregado numa firma de verdade
Onde pudesse mostrar o que sabia
Com um salário que desse pra viver

Outro cunhado estando em São Paulo
E através de amigos influentes,
Doutor Pedro Rodrigues de Carvalho,
Conseguiu empregá-lo na Calfat
Uma grande indústria de tecidos
Que assinou sua carteira de trabalho

O salário pequeno e o serviço
Não era o que gostava; os automóveis
Foram sempre um sonho a alcançar...
Mas ficou na Calfat até que um dia
A empresa fechou e deu-lhe as contas,
Voltando outra vez a faxinar.    

Ato 5  – A willys

Certa noite ele viu um outdoor
Da Willys Overland do Brasil
Iluminando o céu do Tietê
Seu coração bateu em disparada
Sentiu que o destino lhe apontava
A rota que devia percorrer

Pela manhã pegou um coletivo
Com destino à fábrica da Willys...
Quando chegou o pátio estava cheio,
Pessoas aguardando impacientes
Vindas de todos os cantos de São Paulo
Pelo mesmo motivo que ele veio


Alguém lhe explicou que um capataz
Dentro em pouco viria lá de dentro
Como sempre  era comum acontecer
Oferecendo as vagas de trabalho
Parecido com um jogo de baralho
Dependia de sorte pra vencer

Ele gritava os cargos que a linha
De produção da fábrica precisava,
Oferecendo as vagas no emprego,
E escolhia alguns dos candidatos
Que na hora mostravam a carteira
A seu critério, apontando o dedo

Sempre tinha mais gente que as vagas
E assim muitos voltavam para casa
Desempregados como haviam ido
Em vários dias a função de Antonio
Não foi chamada uma vez sequer.
- Outro cara  teria desistido!

Por estar sempre ali todos os dias
Findou sendo notado pelo chefe
Que quis saber qual era a profissão
Daquele persistente candidato
Que estava sempre atento às chamadas
Mas nunca respondia  à seleção.
  
Falou que era pintor, de preferência,
Mas podia fazer qualquer serviço
Desde levar recado a limpar chão
Ajudar na pintura, polir carros
Tinha pouca leitura, não negava,
Mas garantia dar conta da função

O chefe olhou-o com pena e lhe falou:
- “o gerente americano que pintar
Seu carro de um modo especial
Vamos ver se você pode fazê-lo!
Dê-me a carteira e vá atrás do mestre
Para fazer o teste inicial”.

Antonio estremeceu, o que sabia
Desta arte difícil de pintar
Era melar paredes de cal virgem.
O mestre logo viu que seu pintor
Não sabia o que era uma pistola
Nem sabia sequer a sua origem.

Mesmo assim resolver ficar com  ele
Que mostrou depois ser um bom aluno
Com um jeito especial de fazer bem
Em pouco conquistou a confiança
Das equipes do seu departamento
Alem do nome de guerra que hoje tem.

  
É que o seu gerente americano
Ainda estava aprendendo o português
E como lá na sua terra o sobrenome
É quem nomeia o cara a ser chamado
E era “Fio” em vez que “Filho” que
conseguia falar aquele homem

E um dia a Willys resolveu
Criar uma escuderia de corrida
Fio foi escolhido o executor
Dos projetos dos carros esportivos
Aerofólios, cokpits, suspensões
Veneno e mais  arranque no motor

Ganhou corridas junto com os pilotos
Bebeu com eles a champanhe das vitórias
Aparecendo em fotos coloridas
Foram anos de trabalho e de sucesso
Até que a willys mudou sua política
Cortando o patrocínio às corridas

Ato 6 – Pequeno Empresário


Os pilotos sentiram fundo o corte
foram atrás de outros patrocínios
Não podiam parar assim de vez
E propuseram ao Fio abandonar
A Willys e montar sua própria empresa
Pensou um pouco e foi o que ele fez

Alugou um espaço interessante
Nas proximidades de Interlagos
Junto  à Rio Bonito, na Ipanema...
Além da encomendas dos pilotos
Buscava atender novos clientes
Crescer cada vez mais era o seu lema

E os pilotos muito satisfeitos
Com o jeito amigueiro do Fio ser
Com o ótimo serviço da oficina
Traziam os amigos endinheirados
Melhorando a renda e garantindo
Uma clientela cada vez mais fina

Foi quando conheceu  Roberto Carlos
Emerson Fitipaldi e Carlos Pace
O Greco, que pra ele foi um pai,
Luiz Pereira, além de Chico Landi...
Pilotos, empresários e artistas
A roda da política e muito mais.

Ato 7 – O calote


A firma foi chamada Fioberglás
Uma homenagem ao dono e ao produto
Problemas apareciam a cada hora
Alguns fregueses espertos aproveitavam
A extrema confiança que dispunham
Pegavam o carro pronto e iam embora

Depois pra receber era uma novela.
Como o caso de certo magnata
Que nunca lhe pagou pelo serviço  
Um tuning completo de um mustang
Que ficara um luxo de beleza
Uma obra de arte ou mais que isso

O pilantra falava “eu levo hoje”
Ou “passo ai até a sexta-feira”
Nem vinha nem mandava o pagamento.
Como pagar as peças que comprara
Exatamente para o tal serviço
Que há muito já passara o vencimento?

Precisando urgente do dinheiro
Mandou muitos recados por amigos
Foi ao clube que ele freqüentava
Telefonemas, cartas sem respostas
Foram muitas. Até que resolveu
Ir cobrá-lo na casa onde morava
 
Quando chegou à porta uma das filhas
Que estivera com o pai na oficina
Recebeu-o com festa e o conduziu
Para aguardar na sala de espera
Iria avisar ao seu papai
Da  visita de seu amigo Fio

  
O tempo foi passando e ninguém vinha!
Só depois de uma hora é que ouviu
Passos de fera pisando no oitão.
Abriu um pouco a porta e assustado
Fechou mais que ligeiro, um pitbul
Tentou abocanhar a sua mão.

Se tentasse sair até a rua
Com certeza o cão o pegaria
Até pensara antes fazer isso
Pois tinha outros serviços na cidade
E já perdera aqui tempo demais
Atrapalhando esses compromissos

Mas agora o cachorro estava à espreita
Como que estrumado pra pegá-lo...
Que poderia estar acontecendo?
Seria uma armadilha?... Era possível?
Não vira a fera na hora que chegara
Naquela área em que o estava vendo

Fazer então o quê? Estava preso
À mercê do cachorro e do manhoso!
Permaneceu ali atribulado
Até que o cliente apareceu
E  entrou segurando um telefone
Parecendo falar com um delegado


Sobre uma invasão de domicilio...
Parou em frente ao Fio foi falando
Que lugar de invasor é na prisão
Já chamara a polícia de costumes
Que batia primeiro pra depois
Perguntar o teor da acusação.

Fio sentiu-se acuado! O que fazer?
Entrara numa fria do diabo.
Em São Paulo, por nada, era sabido,
Que baiano apanhava da polícia...
Pensou em reagir, mordeu a língua,
Gaguejou, e sentiu-se enfraquecido

Um carro da polícia apitou perto...
Pediu pra não ser preso e implorou
Pela mãe do granfino, até por Deus...
Teve então que assinar um documento
Desistindo de vez desta cobrança
E confessando o crime como seu

Saiu à rua como um fugitivo
Chegou em casa triste e a Tereza
Xingou-o de mulherengo e vagabundo!
O que podia dizer?  Nem tinha álibi!
Tentou beijar o rosto da esposa
E jurar-lhe o  maior amor do mundo


Pensou um tempo ainda em se vingar
Não podia engolir tamanha afronta...
Tocar fogo no carro do safado
Que ficava parado em um clube perto!
Finalmente assumiu a humilhação
Como uma lição do aprendizado.


Ato 8 – A Fase Boa

Trabalhava dobrado e o sucesso
Que sempre vem a quem busca com garra
Permitiu-lhe montar uma grande empresa:
Fabricava chassis e peças raras
Tendo como matéria prima a fibra
Do vidro puro e o toque de beleza

Precisava viver em segurança
Mudou-se para um bairro de granfino
Uma casa de todo um quarteirão
Comprou carro de luxo pra família
Entrosou-se no mundo das indústrias
Importou moldes raros do Japão

Fins de semana  gordos na baixada
Guarujá, Praia Grande e Pernambuco
Casa de praia e amigos sempre perto
Restaurantes de luxo, e no “Buraco”
As canastras nasciam  espontâneas
O parceiro abria o jogo certo 


Ato 9 – O Itau

Numa mesa sentada toda a cúpula
Os Setubal e outros dirigentes
Do banco Itau computadores
Buscavam encontrar na reunião
Alguém com poder de criação
Concorriam ali muitos doutores

Quando  Fio explicou  o seu projeto
O velho presidente admirado
Chamou o sergipano pra o seu lado
E propôs associar-se em uma indústria
De produção de peças de informática
O negócio mais quente do mercado

Era para aceitar ali na hora
Não existia margem de perigo
O banco Itaú financiava
O Fioberglás detinha o know-how
Era só trabalhar, ganhar dinheiro
Em um produto que todos esperavam

Resolveu pedir um tempo
Pra conversar com a família
Doutor Setúbal sentiu
Um leve pressentimento
Ali naquele momento
Que estava perdendo o Fio

Estas oportunidades
Que a vida sempre oferece
Precisam ser captadas
No momento que aparecem
Pois elas sempre definem
Muito mais do que parecem

É o rumo de uma vida
Que muda em um momento
É o sucesso ou o fracasso
É tudo ao mesmo tempo
Do jeito que aparece
Desaparece no vento

Lamentar depois o leite
Que derramou sob a mesa
É um direito, mas nunca
consertará com certeza,
todo o dano provocado
Num instante de fraqueza

É certo que a Fioberglás
Continuou trabalhando
Mas muito à mercê das crises
Sofrendo com ventos brandos
Quando poderia estar
Acima destes desmandos

  
Ato 10 – O Retorno
  
Mas como todo filho do nordeste
Sonha sempre em voltar a sua origem
Fio trouxe sua fábrica para cá
Os órgãos consultados do governo
Que liberam incentivos às empresas
Torceram o seu nariz pra Fioberglás

Mesmo assim a empresa se instalou
Num galpão alugado e escondido
Lá no antigo bairro industrial
Produzindo capotas de picapes
Uma linha completa de acessórios
Que por aqui não tinha nada igual

Exportava peças pra São Paulo
Suprindo a unidade que deixara
Sob as ordens do filho, e vendia
Para todo o nordeste, foi até
Sondado pra levar a sua  fábrica
Ao vizinho estado da Bahia     

Mas ficou em Sergipe e batalhou
Até que conseguiu se instalar
Na área das indústrias dos ditosos
Sem usar um centavo de incentivo.
Do governo teve apenas o rigor
Das leis e dos fiscais gananciosos 

Trabalha com os filhos e parentes
Alguns  foi buscar no Santo Antonio
Do Lagarto em rumo à Riachão
Sergio e Soraia, frutos de seu sangue,
Marlene,  Edmilson e muitos outros
Parceiros da empresa e coração   

Vinte anos depois, a Fioberglás
Continua gerando para o Estado
Empregos, progresso e muito mais
Enquanto no Distrito Industrial
Os galpões das empresas incentivadas
Servem hoje de abrigo a marginais


Ato 11 - Final


     
Fio da fibra é este cara
Que lutou tanto e venceu
E os pequenos tropeços
Serviram de recomeços
Com muita mais fé em Deus

Ser pobre não é defeito
Esta não é a questão
Se o homem quer de verdade
Supera adversidades
Persegue sua ilusão

É certo que às vezes há
Alguns momentos bicudos
O norte some perdido
A vida perde o sentido
Não só a vida, mas tudo.

São nestas horas difíceis
Que cada um mostra o valor
Ou sai mais fortalecido
Ou tomba desfalecido
Devido a mesma dor


Aracaju,  julho de 2009
Antonio Francisco de Jesus




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