segunda-feira, 28 de março de 2011

O LIVRO DE JOSIAS PEIXOTO



Meu pai é originário do Cajueiro, de onde meu avô Pepedo Saracura  migrou para Terra Vermelha, quando comprou o velho sítio de Eduardo Silveira (pai de Zeca Mesquita) que ainda hoje nos pertence.  Cajueiro, Canário, Congo, Terra Vermelha e Pé do Veado confundem-se em muitas das suas divisas.  Apesar da emigração de Pepedo Saracura, dois irmãos dele permaneceram no Cajueiro: Pedro de Mané José, e Chagas. Este último teve uma filha  (Bila) casada com João de Jerome, irmão de Basto.  Dessa forma, os Saracuras e os Peixotos conviveram a mesma vida dura dos sítios e respiraram o ar abençoado  que afaga esses povoados heroicos de  Itabaiana. A mãe dos dezesseis peixotinhos  (Maria Nunes Peixoto), por conta disso tudo, sempre foi amiga de minha mãe. E confidenciava a Florita (minha mãe) naquele dia de festa de Santo Antônio, talvez em 1962, que também “gostaria muito de ter um filho padre”.  Ela conseguiu ordenar dois (Antônio e Gerônimo) e mamãe nenhum (logo depois, larguei a batina).

Há poucos anos, certo dia, minha esposa trouxe-me da faculdade onde estudava um livrinho de versos. Uma colega, chamada Inês, de Itabaiana, dera-lhe, dizendo ser a história de sua família. Li de um fôlego e resolvi  escrever também um livro parecido sobre a minha. Daí é que nasceu o cordel  “A Família Saracura”, que depois de circular por quatro anos, incorporei ao apêndice livro “Os Tabaréus do Sítio Saracura”, que publiquei em 2008.  Meu livro chegou até Basto (levado pelo seu filho Josias) e, devido a isso, tive a honra de desfrutar de sua convivência, quando saboreei seus poemas escritos durante a vida toda e tentei desarmar suas engenhosas armadilhas cinzeladas com esmero, mas não consegui.

Talvez também pelo que acabo de contar, o livro de Josias Nunes Peixoto (“Maria Nunes Peixoto – uma mulher cheia de amor”) atingiu-me como uma língua de fogo. Por muito mais também. Recebi a joia, trazida por Lourdinha, minha irmã de Itabaiana. Acabei de ler agora, afogado em emoção. Cada página descortina lições de vida, resgate dos costumes de nosso povo dos sítios.  Acompanhei as novenas nas vésperas dos dias santos de guarda, as via sacras pelos sítios vizinhos. Postei-me ante o santo oratório da varanda. Rezei o Terço e o Santo Ofício e fui a pé até a cidade quase inacessível, para assistir à missa das oito.  Testemunhei a luta pelo estudo dos filhos. Entrei sorrateiro na repartição (e multiplicação) do pão, disputando um pedacinho com tantos passarinhos de bico grande e aberto.

O livro todo, como a vida da família Basto (Nunes Peixoto) é  entranhado de fé, de doutrinas, da Bíblia. Os Salmos, os Evangelhos, as Epístolas fluem  em citações como se fossem a própria vida da família, ao lado de casos engraçados que deflagram incontidas gargalhadas. Como a história da cirurgia que seu Basto teria que fazer em Aracaju. Adelson, que o levava, passou antes na Funerária, para resolver alguns assuntos administrativos. “Vai fazer o que ai?” – pergunta Basto. “Pegar logo o seu caixão. Possa ser que o senhor não resista e, assim, não precisarei voltar a Itabaiana” – responde Adelson no melhor estilo mordaz e hilário do pai e de nosso povo dos sítios. Como também, na morte do velho Jerônimo (Jerone) quando Basto, antes de ir buscar o caixão, pediu uma farofa com café, pois estava com fome. Dona Maria questionou o momento, ao que ele respondeu: “Eu estou ainda vivo e preciso trazer de Itabaiana um caixão na cabeça!”. Como no golpe aplicado pelo esmoler que quase levou o feijão todo da família, aproveitando-se da bondade do menino Antônio, que ao despejar uma cuia no saco, perguntava: “O senhor quer mais? Ainda tem muito!”

O livro é um testemunho da vida de “uma  mulher cheia de amor” e de todo o povo do Cajueiro, dos outros povoados de Itabaiana, quiçá do mundo. E alcança, com sobra, ao que se propõe o autor, “apontar algumas dimensões  da vida de sua mãe (Maria Nunes Peixoto), relacionado-as  com o meio, com a família, com as pessoas, com os costumes de seu tempo”. É uma boa leitura, que agradará certamente a quem tiver a oportunidade de encontrar ainda um exemplar.

Antônio Francisco de Jesus (Antônio Saracura)
Autor do livro “Os Tabaréus do Sítio Saracura”

PS: Enviei para a Itnet em 27/03/2011 às 23:00 horas.


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